Mulheres em Movimento - estudo de caso de UX
Utilizando o UX design para ajudar mulheres vítimas de violência a superar a triste fase de dor e seguir adiante.
O desafio
Por ser praticada dentro de casa, que deveria ser um lugar de refúgio e segurança, a violência doméstica se torna cruel, silenciosa e solitária. As mulheres vítimas de violência precisam de apoio, de assistência, de proteção e sobretudo, de um lugar seguro.
Criar uma rede com integração de ações de saúde, segurança, justiça e educação às vítimas.
O cenário atual
Segundo matéria publicada pelo Uol, os casos de feminicídios no Brasil aumentaram 22% somente nos meses de março e abril de 2020 (em comparação ao mesmo período de 2019) e o que pode ter elevado esta estatística são os casos de desemprego e o home office que aumentou a proximidade com o agressor.
No Distrito Federal, 2.397 ocorrências foram registradas em 2020, segundo reportagem da TV Globo (Bom dia DF, dia 25/1/2021).
Já na matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo mostra que as vítimas não registram ocorrência sobre a violência sofrida.
Objetivo do produto
Ser a principal ferramenta para dar apoio necessário às vítimas de violência doméstica através do aplicativo Mulheres em Movimento.
Com o uso do produto, estima-se uma queda no índice de violência doméstica em 2% até julho de 2022 (Este MVP será revisado). Veja o Value Proposition Canvas e a Métrica de negócio que demonstram a geração de valor com o uso deste produto.
Usuária
Todas as mulheres vítimas de violência, portadoras de um aparelho celular com acesso à Internet são o público deste produto, que visa ajudar na recuperação da autoestima e a esperança de viver em paz.
Perfil da usuária
A violência atinge a todas. Sem distinção de cor, de raça, de idade nem de classe social. Porém, foi criada uma persona validada com pesquisas.
- Djanira, a Deja, 30 anos, dona de casa, 2 filhos, casada com Jurandir.
- O sonho dela é ter um estabilidade financeira e ter o controle sobre a própria vida.
- Depende economicamente do Jurandir, que quando tem algum problema, agride Deja de diversas formas.
- Analgésicos: assistência psicológica. Reinserção no mercado de trabalho. Oferta de cursos profissionalizantes. Atividades na comunidade e educação de jovens para a prevenção contra a violência.
Contexto da usuária
A jornada da Deja consiste em sair do círculo da violência doméstica até a inserção no mercado de trabalho para ser a principal provedora da família. Abaixo é ilustrada a jornada da persona conforme entendimento das pesquisas realizadas e foi utilizada, como modelo, o Mapeamento da Jornada do Cliente, do Nielsen Norman Group.
Pixar Storytelling
É a técnica utilizada para comunicar de forma geral o mapeamento da persona, assim como melhorar a comunicação, entender as frustrações e realizações e como o produto se encaixará na vida das personas em seu processo. A construção se dá de forma a contar uma história infantil, com início, meio e fim bem definidos.
Era uma vez Djanira, a Deja, uma dona de casa que acordava cedo todos os dias para cuidar da casa e dos filhos. Adorava ver o sorriso das crianças com o pouco que podia oferecê-los.
Um certo dia percebeu algo diferente no marido e tudo mudou. Aquele marido calado e ciumento se tornou um monstro que a agredia toda vez que algo o incomodava.
Por causa da violência sofrida, Deja perdeu sua auto estima. Não via mais sentido em viver. Mas sabia que precisava reagir para seguir a vida. Sofria calada engolindo o choro, a dor e o medo.
Até que finalmente decidiu virar a chave. Denunciou o marido, recebeu ajuda de terceiros e foi encaminhada para atendimento especializado. Daqui para frente, é uma outra história sobre Deja…
Primeira etapa de validação
Classifiquei, a partir da Matriz CSD (certeza, suposição e dúvida), todos os pontos e ideias sobre o produto e, posteriormente, utilizei a Matriz Impacto vs Nível de conhecimento para subsidiar a elaboração da pesquisa quantitativa e qualitativa.
Pesquisa quantitativa
Além de publicar o questionário em grupos de Facebook sobre o tema, entrei em contato com o Pró-Vítima, um programa da Subsecretaria de Apoio a Vítimas de Violência, da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, que realiza atendimento psicológico e assistência social para aproximadamente 200 vítimas de violência doméstica, intrafamiliar, psicológica, física, sexual e institucional e fui orientada, para salvaguarda da integridade psicológica, a entrevistar aquelas cujo tratamento está avançado, estabilizado e mediante autorização das atendidas e limitando-me a perguntas básicas como idade, cor, região de residência e sobre os sonhos.
Estou ciente de que é necessário uma amostragem maior para o desenvolvimento do trabalho, porém, limitarei a 18 respostas (11 pelo Facebook, 3 pelo Pró-Vítima, 4 presencial). Futuramente, reaplicarei a pesquisa para garantir a qualidade e a segurança das informações.
O medo da exposição é definido como a principal causa das recusas às entrevistas. Conexões fora solicitada na rede social, mas ao introduzir o tema, fui ignorada ou simplesmente bloqueada. Dentre as respostas obtidas, quando perguntado sobre a situação atual, 7 pessoas responderam estar em estado depressivo ou angustiada.
O Ipea divulgou que o Índice de violência doméstica é maior para mulheres economicamente ativa, porém a pesquisa quantitativa não validou esta informação, tampouco não há correlação entre a cor da pele/raça e o grau de escolaridade.
Das onze respostas coletadas pela rede social, 9 não acreditam na eficácia do Poder Público, 10 responderam que apenas pela educação poderá mudar o cenário de violência (Acesso à pesquisa). Em respostas abertas, as pessoas responderam que deveriam ter mais atividades, como costuras e indicação de núcleos terapêuticos.
O sonho delas? Estabelecerem-se financeiramente, ter a casa própria, não sentir mais medo e tirar as ‘algemas’.
A partir desta pesquisa, entendi que ao dar oportunidade, todas podem sair desse círculo de violência.
Pesquisa qualitativa
A pesquisa qualitativa foi objetivada para validar a jornada das atendidas pelo Pró-vítima e sobre a importância do empoderamento feminino, pois eu acredito que ao dar oportunidade todas as vítimas podem sair fortalecidas do círculo de violência.
Levantei esses questionamentos com três profissionais, além da real situação emocional das atendidas, em qual situação elas se encontram e quais perspectivas para o futuro. Aprendi que:
- A maioria das mulheres foram educadas para servir o homem.
- Muitas receiam perder a guarda dos filhos. Por causa disso, não enxergam oportunidades.
- Por serem dependentes economicamente, muitas não denunciam os agressores. E quando denunciam, ficam com medo.
- Trabalhar para elevar a autoestima é necessário.
- Unidas podem fazer e ser o que quiserem.
Benchmark
Selecionei cinco aplicativos que mais se aproximaram do propósito do Mulheres em Movimento (Apoio Vítimas, Bem Querer Mulher, Ellas, MG Mulhe e PenhaS) e neles, há a preocupação em informar às usuárias sobre a segurança, mas pouco sobre cuidados psicológicos, e sobre pós-denúncia. Abaixo está a correlação desses aplicativos com o Mulheres em Movimento.
Alternativas de solução
Utilizei a técnica do “Como poderíamos” para reescrever as oportunidades encontradas na pesquisa qualitativa e o empoderamento feminino foi priorizado por permitir elevar a autoestima e dar liberdade às mulheres. As demais oportunidades poderão ser utilizadas como MVP do Mulheres em Movimento.
A solução
Para auxiliar na solução da dor da persona, utilizei o esboço em 4 etapas (anotações, desenho livre, crazy 8’s e rabiscoframe) conforme seguem:
Primeiro teste de usabilidade
O primeiro teste de usabilidade foi realizado com dez mulheres entre 25 a 45 anos. Feita a explanação inicial, solicitei para que experimentassem o protótipo feito no MarvelApp e questionei sobre o produto para certificar o entendimento do propósito.
Todas acharam a ideia muito válida e ressaltaram a importância do acompanhamento especializado. Três tiveram dificuldades em utilizar, dentre elas, uma com problema na digital. Os poucos botões do rabiscoframe não estavam bem posicionados. As respostas foram:
Wireframe e Fluxo do Usuário
Para facilitar a compreensão por pessoas em momentos de fragilidade, inspirei o wireframe nos aplicativos bancários e nos cartões de crédito, por serem simples, direto e com poucos botões.
A navegação do aplicativo, ao lado, parte da tela principal com seis itens: chat-terapia, cursos, rede++, movimente-se, sua segurança e diário. E, a partir daí, se ramificam para outros serviços.
Antes de partir para a prototipação de alta fidelidade, pedi para cinco mulheres testarem o aplicativo no geral e as respostas foram:
Guia de estilos
Ao estudar os aplicativos relacionados no benchmarking, percebi a presença da cor violeta (e as suas variações) principalmente como fundo da tela inicial, variados tamanhos e tipos de fonte sem serifa e os botões variavam de retângulos a arredondados ou sem botões. Sendo assim, inspirar-me-ei a construção da guia de estilos baseando na cor violeta como cor primária.
Cores
A cor violeta será predominante no produto por associar-se ao despertar da consciência. É a cor da transmutação, da beleza, da exuberância, do poder pessoal e da virtude.
Tipografia
Escolhi a fonte Roboto por ter uma natureza dupla, possuir um esqueleto mecânico e por ter as formas amplamente geométricas. A fonte apresenta curvas abertas e amigáveis, permitindo que as letras sejam acomodadas em sua largura natural, criando, assim, um ritmo de leitura mais natural, mais comumente encontrado em tipos humanistas e serifados.
Botões
Utilizando as cores primárias para o preenchimento, os botões foram projetados para identificar de forma clara as ações que as usuárias devem tomar, variando de retângulos e cantos arredondados. Foi utilizado o botão FAB para possibilitar a adição de dados no aplicativo.
Componentes de formulários
Por querer um aplicativo de fácil interação, o formulário foi pensado da mesma forma, trazendo, por cores, a identificação do resultado da ação da usuária.
Protótipo de alta fidelidade
Este é o protótipo de alta fidelidade do aplicativo Mulheres em Movimento.
Visão geral do aplicativo no Figma:
Teste de Usabilidade
Assim como em outras fases, dez usuárias testaram todo o aplicativo e, ao final, solicitei avaliar o produto conforme estratégia HEART definida anteriormente, além de ter feito um breve questionamento para garantir que as usuárias navegaram em todas as telas.
No NPS, obtive a média 9 em uma escala de 0 a 10 e um feedback negativo pela fragilidade da senha de quatro dígitos. 10 a 180 minutos foi o tempo de retenção obtido no teste.
Conclusão e aprendizado
Para melhorar a qualidade e ter mais segurança para o desenvolvimento da atividade, sei que preciso de mais dados. Porém, acredito que o sentimento principal das vítimas foi captado: viver feliz e sem medo.
Levo como aprendizado que a mulher sofre. Sofre calada para preservar a família, os filhos e o companheiro agressor. Mas todas podem superar essa triste fase da vida.
O cenário de violência doméstica, para mim, só acabaria se tivermos uma educação de qualidade, acesso ao mercado de trabalho justo e igualitário, além da mudança no mindset e na cultura da sociedade.
Por fim, agradeço ao professor Leandro Rezende do Programa UX Unicórnio ao dispor este assunto, além de todo apoio técnico e educacional que foi oferecido. Agradecimento especial ao senhor João Traini, do suporte técnico, que me deu valiosas orientações.
Aprender e aprimorar cada vez mais! Este foi o primeiro trabalho e virão outros! Meu objetivo? Ser ux design e cientista de dados! Meu Linkedin? https://www.linkedin.com/in/claricesatikoaoto-bi-python-ux/